OPINIÃO: Relatório Final: a irrazoabilidade no setor social e solidário
OPINIÃO: Relatório Final: a irrazoabilidade no setor social e solidário
Há uns dias, testemunhei um exemplo do que deve ser o setor social e solidário em Portugal. Na presença de membro do Governo, assistiu-se ao nascimento de respostas sociais para todas as idades, num edifício construído pelo Município para o efeito, com gestão entregue a uma IPSS e com acordos de cooperação celebrados em tempo recorde com o especial empenho do Instituto da Segurança Social.
Soube-me a momento excecional (pelo exemplo e pela raridade). Porque é que isto não acontece mais vezes? Porque é que a regra parece ser o desentendimento?
Por norma, quando duas partes não se entendem é porque uma (ou as duas) não está a ser razoável.
Quando a irrazoabilidade é teimosa, somos chamados como advogados e, quando resiste até à nossa intervenção, chamamos os tribunais.
Nos últimos anos, a irrazoabilidade no Setor Social e Solidário tem sido, estranhamente, muito resistente. É um fenómeno que merece ser investigado. É o que faço de seguida.
Manda a presunção de inocência que se analise com cuidado esta situação. Será o Instituto da Segurança Social pouco razoável? Serão as IPSS? Será outra entidade ou nenhuma?
Nota prévia: as pessoas (e entidades) razoáveis podem passar por episódios de irrazoabilidade. Aprendi que isto acontece quando deixam de ouvir a outra parte. Os seus interesses, objetivos ou aspirações. Ignoram ou interpretam mal o que diz, pensa ou sente.
Atalhando, segue uma primeira conclusão: as IPSS estão inocentes.
Depois de testemunhar o trabalho de centenas de IPSS e ter tido o privilégio de conversar com milhares dos seus dirigentes e trabalhadores (não é exagero e este relatório terá milhares de testemunhas disto mesmo) descobri sistematicamente que só querem uma coisa: fazer mais e melhor, o que inclui reconhecer que podem fazer mais e que podem aprender a fazer melhor. Sem qualquer ironia: atitude nobre e rara.
Mas se não são as IPSS, será alguém? E se é, então é quem? Passemos às evidências, sem demora.
Encontrei várias coisas no espaço deixado pela ausência de razoabilidade. Entre várias outras, apresento algumas ilustrativas:
Obstáculos a aumento de vagas em creche, contrariando o Governo (que se viu forçado a legislar contra o formalismo sem fundamento). Incumprimento no pagamento de majorações previstas no compromisso de cooperação. Repostas orais que não são enviadas por escrito. Coimas sem regularização prévia, violando normas legais de 2014 (quase 10 anos) e procedimento expresso de 2019, novamente: ignorando o Governo, ignorando princípios básicos. Apoio técnico sem agendamento. Alterações não solicitadas a regulamentos internos. Ausência de regras claras nos serviços de SAD. Invenção de princípios restritivos da autonomia quando uma Lei de Bases consagra o oposto. Conteúdo obrigatório para regulamentos internos em Portarias de 2023. Acompanhamentos e fiscalizações sem ouvir utentes. Interpretação de normas que ignora regras básicas. Supostas incompatibilidades de respostas ou apoios que não existem na legislação. Impedir que se consagre atividades futuras nos estatutos. Em geral, aplicação e interpretação errada de normas que acabam sempre por desfavorecer as IPSS, a sua autonomia e a sua capacidade de ação.
Isto exige uma reflexão. A mim não - que só investigo -, do meu lado vale antes uma observação:
Agir com ignorância ou praticando erros não é grave quando o resultado é o bem de todos. Agora, quando erramos sistematicamente e insistimos na ignorância prejudicando o trabalho de milhares de instituições, estará na altura de uma introspeção.
Posso também deixar questões, porque as introspeções numa investigação trarão sempre estas interrogações: será cultural? Será genético? Tem solução?
Antes de terminar, um segredo: numa sociedade em constante evolução, a melhor escolha não é tentar saber tudo (por norma, apenas: mostrar que se sabe tudo), é antecipar o que se deve saber e isso só se consegue quando o objetivo é aprender a aprender melhor.
Esta investigação, sendo isto um relatório, termina com propostas. Uma proposta de diagnóstico acompanhado de prescrição: se a recomendação sobre aprender a aprender melhor pareceu difícil de digerir, a solução é evidente: está na altura de ouvir as IPSS.